Outono de 2005; dia vinte e dois de maio. Eram seis horas da tarde naquela calçada quando ele terminou de dizer que ia embora.
Ela abaixou a cabeça e riu baixo.
— É uma pena saber que meu nome não tá na lista dos mais importantes pra você, não é? — Ela sussurrou, chutando uma pedrinha.
— E está.
— Não sou burra — Ela respondeu corajosamente, rindo na cara dele. — Sei que não estou.
— Mas você fez parte da minha história. Marcou minha vida.
Ela riu de novo. Escorreu desdém pelo canto de seus lábios.
— Não, não marquei não — Suspirou, cruzando os braços e olhando com os olhos semicerrados pros dele. — Fiz um filetezinho só; a cicatriz até já sumiu. Nem coça.
E disse antes de ir embora:
— Espero que seja feliz na sua nova vida.
Se isso tivesse acontecido há algumas semanas, ela pensava enquanto ia embora, desmancharia-se em lágrimas; pois ela não existia. Ela era ele, e só. A verdade é que ele já havia feito muitas bobagens e cada bobagem dessas foi um pedregulho para o dique que era automaticamente construído em frente ao coração dela, e, inconscientemente, esse coração ficava mais protegido. Mais seguro contra a enxurrada que costumava destruí-lo toda vez que ela sucumbia por ele (assim como destruía também sua maquiagem; gastos à parte). Protegido, portanto, sendo fortalecido gradativamente, aquelas mágoas foram doendo menos. Na verdade, todos os erros dele durante prepararam-na para o que aconteceria depois.
Entretanto, o depois não deixou de ser doloroso. Não era nem uma criança (tinha lá os seus vinte e poucos anos de idade), mas depois que o "fim" veio da boca dele ela teve seu doce tirado enquanto ainda provava o gosto dele; sim, já que ela ainda não o conhecia por completo. Era uma tarefa árdua descobrir quem ele era, já que ele não dava aberturas. Percebeu só depois que as aberturas não eram dadas de propósito, logo que, infelizmente, a única abertura que interessava para ele era a dela.
Virou uma esquina; esbarrou num casal de idosos de mãos dadas. Desculpou-se, logo rindo ironicamente do que o destino lhe pregara em mais uma esquina da vida: clichê. A vida adora lhe pregar clichês para que você se sinta inferior. Sabia que em algumas semanas atrás ela iria, após o acontecido, somado com a romântica cena anciã, dobrar o volume de líquido expelido pelos olhos e martirizar-se por nunca mais ter uma chance de vivenciar algo daquilo: viver anos e anos com um só homem, e envelhecer com ele.
Mas não é só de esquinas e clichês que a vida é feita.
Muitas vezes, é pior: um beco. Há saída — você sabe que há! —, mas o Medo e a Incerteza estão lhe segurando firmemente para que não chegue à escada. Demora um pouco para que suba os degraus e pule o muro, pois depende da sua força (de vontade) para se livrar das duas arquiinimigas da superação.
Ela, diferentemente, armara-se e destruíra o muro. Ela não se deixou criar paredes para superar algo, pois não havia nada para ser superado — o quê, um homem? Um homem que nem dela havia realmente gostado o bastante?
Além disso, de uns tempos pra cá, ela sabia que não ia ser tão divertido envelhecer ao lado de um homem. Queria era envelhecer ao lado de si mesma, sua parceira de todas as horas e alguém que ela já havia considerado uma grande amiga.
Envelhecer amigo de si é uma dádiva.
Abriu a porta do apartamento; não havia derramado nenhuma lágrima. Sentia era uma leveza, pois aquela história de ser "amigo depois do fim" não existia. Não para ela. Largou a bolsa no sofá, os sapatos a um canto do sofá. Ouviu um chamado da cozinha.
Foi sorrindo até lá, logo agaixando-se em frente a criatura e pegando-a no colo.
Alteou-a na altura dos olhos; suspirou, torcendo os lábios e alçando as sobrancelhas.
— Você é o único homem que eu amo, sabia disso? — Indagou ao gato viralata laranjado.
O bichano bobeou a cabeça para o lado, sem entender nada, e soltou um miado murcho.
Ela compreendeu. Sabia que homem não entendia dessas coisas mesmo.
Ô mulherão ela era.