terça-feira, 17 de abril de 2012

Ex Mai Love

Ex mai love, ex mai love! Se botar teu amor na vitrine ele nem vai valer um e noventa e nove!
Ontem, dia dezesseis de abril de dois mil e doze, uma curiosa novela na rede Globo começou a ser exibida: “Cheias de Charme” é um prato cheio para qualquer feminista que queira explanar sobre o assunto. Eu, por exemplo, sentei-me com prazer para assistir aquela novela que com certeza geraria muito assunto para escrever uma boa crônica ou dissertação – e foi isso que comecei a fazer: com papel e caneta na mão, iniciei uma longa reflexão sobre os porquês e porquês da telenovela de Filipe Miguez e Izabel de Oliveira. Entretanto, um flash do jornal local me despertou o que realmente daquela novela, em meu contexto, valia uma crônica: a abertura da novela. E aí eu pego você se é sobre a animação e os efeitos.
Ex mai Love, ex mai Love! Se botar teu amor na vitrine ele nem vai valer um e noventa e nove!”
A poderosa voz que todos ouvem quando a novela se inicia é de Gaby Amarantos, minha conterrânea. Por um simples motivo sinto um quase orgulho orgásmico por isso: Jesus, é uma paraense na abertura da novela das sete! (exclamação que ouvi bastante por aqui, por sinal). Há muito tempo, nós paraenses estamos acostumados com uma grande leva de preconceito em relação a nossa região. Um não, vários: socioeconômico, político e até étnico. E vindos de pessoas do Centro-Sul (sei que a maioria de vocês que lêem este Blog são desta região, por isso quero que tenham a mente aberta para ler isto. É um desabafo de um paraense que sofre por ser paraense das mãos muitas vezes não necessariamente de você que está lendo, mas, com certeza, de pessoas de sua região).
Veja, não estou generalizando que todos os Centro-Sulistas são assim, mas que ainda existe uma grande leva de pessoas que fazem as piadinhas clássicas para pessoas do Norte, existem. Querem um pódio delas?
3º) “É verdade que vocês aí do Norte andam tudo de barquinho em rio porque não tem avenida?”
2º) “Cara, eu ouvi falar que o povo do Norte é tudo índio. É sério isso mesmo?”
1º) “É verdade que no Pará tem jacaré andando no meio da rua?”
Não exatamente a pergunta neste formato. E eu ouvi as três indagações bem na minha frente (duas para mim).
A supervalorização da região do Centro-Sul, por muito tempo, acabou gerando uma coerção em cima das pessoas do Norte e até mesmo de algumas nordestinas. Isto começou a mudar há algum tempo quando começaram a olhar para a região Amazônica com outros olhos: os olhos da Sustentabilidade. Por isso, podemos dizer que a Sustentabilidade foi meio que uma isca para os estados onde a floresta cobre alguma área: ela fisgou a região Amazônica de volta aos olhos do Brasil e do mundo, já que a estas foram as últimas vezes que foi tão historia e geograficamente importante: nos dois Ciclos da Borracha.
Ou seja: dá pra imaginar a alegria do povo paraense quando Gaby Amarantos cantava poderosa: Ex mai Love, ex mai Love! Se botar teu amor na vitrine ele nem vai valer um e noventa e nove!”? E não só da massa, mas de parte do povo intelectual também – e, é claro, a própria Gaby Amarantos. Para quem já teve a oportunidade de ver uma entrevista daquela mulher, ela sim é uma paraense convicta, que bate no peito com orgulho de dizer que veio do Jurunas e também, é claro, muito talentosa – além de inteligente e bem articulada. A mulher que foi considerada a nova rainha do carnaval de 2012 pelo jornal inglês Guardian – e me desculpem músicos e cantores de renomes, mas este ano é de Gaby Amarantos – merece estar onde estar, logo que (sendo patriota agora) veio de uma história de grande sucesso, é uma pessoa de muito talento, é uma pessoa de preceitos e convicta, que não se esqueceu de onde veio e que, é claro, sabe representar o Pará como se deve.
Ironia ou não, este texto está sendo terminado enquanto a abertura da telenovela Cheias de Charme reverbera na sala de minha casa. E, ironicamente ou não, minha mãe disse: “Que bom que a Gaby tá fazendo trabalho bom em nome do Pará. A gente merece isso”.
A gente merece isso.
Ô, se merece.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Confissões de um Feriado Santo


Com licença para um texto pessoal sobre meu feriado santo, okay? Pode pular esse, se quiser.
Em geral, “viagem” está no vocabulário das pessoas como o hobbie ou diversão perfeita: “a forma maravilhosa e única de descanso e abertura de novos horizontes, além da importância para o ego por proporcionar a oportunidade de conhecer novas pessoas e, é claro, entender culturas, costumes e novas visões de mundo” – definição enfática e poética de uma das pessoas mais verdadeiramente líricas e expressivas que conheço (minha louca tia).
Bem, em geral, para mim é uma tortura.
Não que eu seja um anti-social irremediável, veja bem: gosto de viajar, mas para lugares em que eu escolha ir e também escolha quando desejo ir. Lugares os quais sou obrigado a ir, seja onde ou pela circunstância que for, sinto-me estranhamente oprimido para fazer algo produtivo por necessidade – na verdade, eu sou daquele tipo chato de pessoa quando algo traz a etiqueta “obrigatório” já olha de canto. Pessoas assim tendem a ser rebeldes com a maioria das coisas. Hereditário, talvez, no meu caso.
E foi o que ocorreu neste feriado santo: malas e cuias para a casa de minha avó, no interior do estado, lugar o qual sou obrigado a ir no mínimo duas vezes por ano há mais de uma década. Até os dez anos eu adorava ir – toda criança de cidade (ou a maioria) adora se soltar nos interiores para brincar. Mas foi mais ou menos a partir dos onze que o vírus da cidade grande me infectou e, no meu caso, talvez seja irreversível. Sou um urbanóide completo, do tipo que não vive sem tecnologia, facilidade, imediatismos (culpa do Google) e vícios citadinos.
Ou seja: sou o monstrinho da família.
E são por esses vícios que viagens interioranas se tornam extremamente cansativas para mim. Vamos ser mais diretos? Tediosas. E como um perfeito bicho da Cidade, em todas as viagens a minha é a maior mochila. Mas aí você se engana se pensa que é cheia de roupas.
— Pra quê você precisa de um guia de Mitologia na casa da sua avó?! — Pergunta mamãe com sua comum indignação pré-viagem, olhando a pilha de roupas arrumadas sobre minha cama.
Na pilha: guia Zahar de Mitologia, “Comprometida, de Elizabeth Gilbert; última edição da revista Galileu, guia de bolso da nova reforma ortográfica, dicionário Oxford de língua inglesa, livro de fábulas de La Fontaine, bloco de fichário, caderno de anotações avulsas, agenda, lapiseira (sou contra canetas), borracha, grampeados e a pergunta que nunca cala: é o bastante??
Um detalhe: são dois dias de viagem.
Mas é o que acontece: é difícil um ser acostumado no meio urbano se tornar do campo facilmente – salvo em caso de saúde, emprego ou necessidade. Mamãe foi pelo terceiro motivo: ao conhecer o cavaleiro no alazão branco, robusto e charmoso – papai (que hoje está mais pr’um urso cansado e perdido) – mudou-se para viver com ele. Além de complicações familiares, foi uma difícil adaptação. Coisa comum pra muita gente.

Parei de escrever este texto por não saber mais o que colocar e por perceber que estava ficando chato e monótono (estava chato e monótono...?). Peguei para terminá-lo no fim da viagem.
Conclusão: não usei nem metade das coisas que levei.
Outra conclusão, agora tipo de fábula? Não encha a mochila quando for viajar: você vai cair na gandaia de uma forma ou de outra.
Fim do texto pessoal – desculpem-me por isso, pelo incômodo, piadinhas e muito obrigado.
P.S.: É sério o negócio da conclusão. Pois é, pois é, pois é...

terça-feira, 3 de abril de 2012

Dique

É estranho demais encontrar você, depois de tanto tempo, caminhando na rua. Seu rosto afilado e perfeito, seu corpo robusto e atraente, sua forma de caminhar, seu suave sotaque... Porém, não é nada disso que me faz perceber que eu passei os últimos meses apenas me enganando. O modo como você sorriu pra mim, sua fileira cintilante de dentes aparecendo junto ao leve fechar de olhos característico; a forma como sua face se inundou de triunfo ao expressar uma (talvez teatral) felicidade ao me ver, assim como o que quase me fez abraçar os carros: o singelo piscar de um olho, sua corrente de charme atingindo a mim como se uma grande pressão aquática em um mísero dique.
Garoto... Você não sabe o que causou em mim. Você não sabe os sentimentos que voltaram a despertar; você não sabe que o frio na barriga maldito e intenso que senti fervilhou os adormecidos. Tudo o que senti por você, tudo o que passei por lhe amar... Tudo, absolutamente tudo, espancou-me sem dó alguma.
No entanto, garoto, eu já sei o que esperar. Já sei o que irei ouvir, já sei o que irá dizer. Já sei como se importará, assim como sei da sua opção. Não adianta nutrir nenhum tipo de sentimento bobo e utópico, pois eu e você vivemos em mundos extremamente diferentes. Oito e oitenta, já ouviu isso? E é quase como se o que existe entre os dois nunca se encontrarem.
É essa minha esperança de sustentação: nenhuma.
Mas é que, de uma forma ou de outra, eu cresci. O soco na barriga que você me deu me deixou mais forte, e eu aprendi a olhar tudo de frente e sempre tirar conclusões lógicas e aceitáveis; eu já fazia isso, pode acreditar. Mas muitas vezes é sobre a gramínea das desilusões que montamos nossos campos psicológicos de batalha. Nossa muralha de força. Garoto, o seu sorriso talvez não vá mais me tirar tanto do chão – assim como seu andar, seu corpo, sua voz. Porém, você está tatuado em mim; e então vem Elizabeth Gilbert para me tirar do fundo do poço: “quando se lembrar mande amor, muito amor e luz – e depois esqueça”.
É isso que eu vou fazer. Mandarei amor, muito amor e luz... E depois esquecerei.
Obrigada, Feminismo!

— de Alice Torres.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Minha Londres

Londres tem cheiro de cimento molhado quando chove (palavras da própria Amy Winehouse). Às vezes, antes de chover, tudo fica estranhamente opaco – é esse o sinal para correr para debaixo de qualquer cobertura e se proteger. Só que até a chuva de Londres é deliciosa. Sabe, não é quente e nem fria; é meio morna. Então eu sempre deixo o chuvisco me pegar – só que, quando vejo, acabo debaixo de uma chuva torrencial e, assustado com os trovões, tento correr desesperadamente para debaixo da primeira proteção que eu encontro. Só que todas são pequenas demais perto do dilúvio que está caindo; eu? Continuo correndo. Só que nem Londres é tão protetora assim – aliás, nada é grande o bastante para lhe dar espaço infinito para correr. O universo não é seu; nem todo o seu eu é seu, aliás. Há um momento, então, em que eu tenho que parar – é o fim de uma rua, um beco sem saída. A aflição de não achar mais caminhos, bifurcações, aclives e declives me consome mais do que a tristeza que já existia por fugir e fugir. Correr não é difícil. Difícil é parar e olhar para trás, ver o que fizemos pelo nosso caminho de maratonistas. Então eu dou de cara com o muro – irritado, faço isso literalmente e fico sangrando, debaixo de chuva, escorado no muro e abraçando as próprias pernas, escondendo o rosto entre os joelhos pela dor do peso das gotas na minha cabeça e deixando as minhas próprias gotas salgadas escorrerem. Lágrimas estas que sempre se diferenciarão das lágrimas da minha Londres – como óleo em água. Minhas lágrimas são sujas – impuras, fétidas; as de Londres não. As da minha Londres são claras, límpidas, magnificentes. Idolatráveis.
São de fênix as lágrimas da minha Londres.