terça-feira, 3 de abril de 2012

Dique

É estranho demais encontrar você, depois de tanto tempo, caminhando na rua. Seu rosto afilado e perfeito, seu corpo robusto e atraente, sua forma de caminhar, seu suave sotaque... Porém, não é nada disso que me faz perceber que eu passei os últimos meses apenas me enganando. O modo como você sorriu pra mim, sua fileira cintilante de dentes aparecendo junto ao leve fechar de olhos característico; a forma como sua face se inundou de triunfo ao expressar uma (talvez teatral) felicidade ao me ver, assim como o que quase me fez abraçar os carros: o singelo piscar de um olho, sua corrente de charme atingindo a mim como se uma grande pressão aquática em um mísero dique.
Garoto... Você não sabe o que causou em mim. Você não sabe os sentimentos que voltaram a despertar; você não sabe que o frio na barriga maldito e intenso que senti fervilhou os adormecidos. Tudo o que senti por você, tudo o que passei por lhe amar... Tudo, absolutamente tudo, espancou-me sem dó alguma.
No entanto, garoto, eu já sei o que esperar. Já sei o que irei ouvir, já sei o que irá dizer. Já sei como se importará, assim como sei da sua opção. Não adianta nutrir nenhum tipo de sentimento bobo e utópico, pois eu e você vivemos em mundos extremamente diferentes. Oito e oitenta, já ouviu isso? E é quase como se o que existe entre os dois nunca se encontrarem.
É essa minha esperança de sustentação: nenhuma.
Mas é que, de uma forma ou de outra, eu cresci. O soco na barriga que você me deu me deixou mais forte, e eu aprendi a olhar tudo de frente e sempre tirar conclusões lógicas e aceitáveis; eu já fazia isso, pode acreditar. Mas muitas vezes é sobre a gramínea das desilusões que montamos nossos campos psicológicos de batalha. Nossa muralha de força. Garoto, o seu sorriso talvez não vá mais me tirar tanto do chão – assim como seu andar, seu corpo, sua voz. Porém, você está tatuado em mim; e então vem Elizabeth Gilbert para me tirar do fundo do poço: “quando se lembrar mande amor, muito amor e luz – e depois esqueça”.
É isso que eu vou fazer. Mandarei amor, muito amor e luz... E depois esquecerei.
Obrigada, Feminismo!

— de Alice Torres.

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